sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Proust é Tudo por Arnaldo Jabor

Estou emocionado. Acabo de ler a última página de "Em Busca do Tempo Perdido", de Marcel Proust, "O Tempo Redescoberto". Sim, eu nunca tinha lido Proust, confesso, a não ser o primeiro volume, "No caminho de Swann", mas depois deixei cair e não continuei. Pois nos últimos cinco meses não fiz outra coisa senão ler a obra completa de mais de 3.000 páginas e, agora que acabei, tenho vontade de começar de novo, como se a vida se me esvaísse e eu precisasse de novo alento. Fechei o livro como se perdesse um amigo. Como pude viver tanto tempo sem conhecer este grande herói da solidão da arte que nos ofertou sua própria vida, uma vida que ele viveu "fora" da vida mesma, solitário observador na malta de mundanos quando freqüentava a sociedade frenética dos salões da Terceira República francesa, ainda com os ecos do Segundo Império? Aquela sociedade, que era a perfeita lente de aumento sobre as paixões e vaidades rasteiras em sua aparente sofisticação, ali, antes e durante a Primeira Guerra, uma sociedade oscilante entre a aristocracia decadente e a burguesia afluente, num jogo de fascínio e desprezo mútuos, ali, no começo do anti-semitismo do século XX e das tragédias que iam culminar em Hitler e que deixou rastros até hoje.

Proust ilumina o momento mais fecundo do modernismo, ele, um cubista dos sentimentos, sob o mesmo vento que batia em Joyce, Picasso, Freud, Einstein, vergado sob a relatividade do espaço-tempo, sofrendo a explosão do Sentido, a irrupção do Inconsciente. Mais que Joyce (perto de Proust, ele parece um frio fazedor de trocadilhos), ele inventa a literatura moderna.

Na vida que levo, comentando a vergonha de nossa política, em meio à decadência da arte, da cultura morna e paralítica, ao lê-lo, tive a sensação de alguma coisa relevante, alguma coisa que toca o "real" e que raspa o mistério sempre inalcançável da existência, a presença arrebatadora do sublime, no sentido que Kant deu à palavra, emoção que em literatura, que eu me lembre, só tive com Shakespeare e com a "Ilíada".

O leitor vai torcer o nariz e perguntar, irritado com meu entusiasmo: "Mas, afinal, por que? Qual é a dele, desse tal de Proust, que dizem que era veado?"

Não quero fazer filosofia barata em cima dele, pois ele escapa a qualquer síntese, como a própria vida. Mas acho que "a dele" era a seguinte: Proust encetou uma tarefa impossível - atingir o real. E a beleza trágica dessa impossibilidade acendeu a luz irradiante da obra. Ele busca a dissecação dos sentimentos pela poética, assim como Freud, na tradição científica. Proust fez a geometria das emoções, descrevendo ciúmes, amores, inveja ou medo com a nitidez de um teorema, com a limpidez de um mapa de geógrafo. Irritava-se quando diziam que ele era um microscópio dos detalhes, pois queria descobrir leis, regras fixas que resumissem a estrutura dos comportamentos.

Que imensa coragem a sua marginalização escolhida! Que solidão! O que fez esse homem ficar à margem da vida, vivendo-a, no imenso sofrimento de tudo ver e de nada participar, diante da feliz insanidade dos homens comuns, ele, uma bicha solitária em pleno preconceito dos anos 10, ele, com uma sensibilidade que doía a cada ridículo, ele que transformou a própria anomalia em arte total, ele que escreveu uma "Ilíada" interior, um Homero de aparentes irrelevâncias, sem fim nem começo, indo da infância até a morte num trajeto circular e recorrente, indo da natureza que examinava em detalhes até os salões de duques e príncipes, ele que se detinha nos irisados matizes de uma corola, desde o brilho róseo, lunar e suave das flores nos bosques até os tremores de cílios da vaidade, os lábios vorazes da glória mundana, a dentadura brutal do rancor, o esgar da inveja, o desespero da solidão sexual nos bordéis para masoquistas, a crueldade dos amores egoístas, o ciúme como tortura desejada, tudo em uma sociedade se contorcendo sob a luz negra da Primeira Guerra, Paris trêmula, com viciados sodomizando-se no breu dos túneis do metrô, sob as bombas dos aviões alemães, a bravura sem prêmio de soldados, a covardia de duques arrogantes, o horror do caso Dreyfus dividindo a sociedade em anti-semitas e democratas, o ridículo profundo que ele analisava com compaixão e sem dele se excluir, ele, que tudo via, com uma mente de Dante, de Homero, com o olho feminino e atento tanto para as nuances do vermelho Carpaccio das sedas da duquesa e dos azuis Veronese de um robe de Fortuny, como para a morte latejando nas artérias de príncipes envelhecidos nos salões, e sempre imolando a vida à arte, querendo deixar algum vestígio no Tempo, pensando não em leitores que o aprovassem, mas, generoso, para criar "leitores de si mesmos" (como ele escreveu), para ser uma espécie de lupa que lhes desse meios de se lerem. Essa é a sensação de vazio que me toma. Enquanto eu o lia, eu me lia, estava perto de verdades profundas, aparentemente tão rasas e mundanas. E agora que acabei, penso: "Que será de mim sem ele?" A mediocridade geral da República volta como uma maré suja, as notícias do erro nacional, as imagens da feiúra, a morte da beleza batem à porta.

Escrevo este artigo com sentimento de culpa (vejam vocês), pois estou falando de Proust em vez de Renan Calheiros... Que vão pensar de mim? Imagino o leitor: "Será que ele está querendo se exibir, bancar o culto? Como ousa falar de alguém ’artístico’ neste mundo em que a superficialidade da arte e da cultura está na razão direta da complexidade crescente da tecnociência?

É verdade. Talvez seja um pecado falar essas coisas. Proust vive em um mundo acabado, no início do século XX, quando ainda havia a extraordinária importância da arte, da pintura, música, literatura. E havia alguma esperança de Sentido, quando esse "sentido" já se esvaia e os grandes artistas do modernismo tentavam salvar o afogado. Talvez o maior êxtase de ler Proust resida em nos lembrarmos de como era a beleza, como era a esperança na arte.

E tem mais: nós não estamos no futuro desse tempo passado, não. Com todo o progresso da informação e da tecnologia, nós somos sua decadência.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Naomi Wolf and "The End of America"

More than 10 years ago, I sat in an auditorium on the campus of Southern Illinois University in Carbondale, Illinois, and listened in dismay as Naomi Wolf stood there and expounded on her anti-male ideas during a permanent honors lecture series held in honor of my maternal grandfather, Charles D. Tenney. Her ideas were so anti-male that I felt compelled to stand up and call her to task on them, and added that my grandfather would never have countenanced her ideas. After the question-and-answer session was concluded, three men (including the organizer) came to me to thank me for standing up for all males. You know, as a woman, I know that there are plenty of male jerks out there, but I also know that there are many good men. My grandfather was one of them, as was my paternal grandfather, as was my father. Naomi Wolf had gleefully used the Greek myth of the hunter Actaeon being torn apart by his own dogs because he had had the temerity to watch as the Greek goddess Artemis was bathing in a pond. Ms. Wolf seemed quite amused by this and evidently applauded his terrifying death. I was appalled. I was even more appalled when Al Gore had her as a campaign adviser. I thought, "What an East Coast, media-created twit of a woman!" and I questioned his judgment but voted for him anyway -- what was the alternative?

Possibly, Ms. Wolf has now matured. Let us set aside, for the moment, her idiotic ideas on men and look at her more cogent ideas concerning the Bush administration's systematic destruction of our democracy because on these I cannot disagree.

She lists 10 points:

1. Invoke a terrifying internal and external enemy

2. Create a gulag

3. Develop a thug caste

4. Set up an internal surveillance system

5. Harass citizens' groups

6. Engage in arbitrary detention and release

7. Target key individuals

8. Control the press

9. Dissent equals treason

10. Suspend the rule of law

For more detail, see her article at this link:

http://www.guardian.co.uk/usa/story/0,,2064157,00.html

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

NIMROD NATION

Hmm... I was born and raised in a small Midwestern town, and if the drought keeps up around this neck of the woods (oops, no woods, I am in Bahia, and the trees were all chopped down years ago), I might just think about hightailing it to Watersmeet to cool my heels for a spell at the corner diner on Main Street. I can see myself drinking that endless cup of thin American coffee served in thick white porcelain while I listen to the comforting sound of snowboots trudging across the old linoleum floors. Yup, I just might do that. Yeah, take in the locals for a while. They'd smile at me and I'd smile right back at them. Friendly folks.
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Marisa Monte Site Oficial -- Official Site

Link to the official website of Marisa Monte (in English):

http://www2.uol.com.br/marisamonte/site/abertura.htm

The site gives the lyrics to many of her songs, as well as the English translations (which could have been much better).

terça-feira, 13 de novembro de 2007

This space is reserved for "Arnaldo Jabor and Yoko Ono: Coming soon, but not together, right now"

I am not one of those who blame Yoko Ono for the end of the "Dream" -- however, it is clear that her singular talent has been her ability to promote her notable lack of artistry. Many years ago, from sheer curiosity, I listened to her caterwauling. A sample:



OK, here is my sometime hero, Arnaldo Jabor, adding an interesting angle to the historical record:

"Por que jamais gostei da Yoko Ono: a arte da viúva de Lennon tem gosto de nada", Arnaldo Jabor, O Globo, 13 outubro 2007, Segundo Caderno, p. 10.

Conheci Yoko Ono ao mesmo tempo que John Lennon. Ou quase. Eu estava em Londres em 1967, na semana em que foi lançado o álbum Sargent Pepper, que coloria todas as vitrines de King´s Road, quando ouvi falar da Yoko. Lennon a conheceu na mesma época: "fatal encounter". Me disseram: "Tem uma japonesa ai interessante, que vai fazer um "happening" num teatro que vale a pena ver".

Lá fui eu, movido pela "febre do novo" dos anos 60. Yoko mostrou um filme que ela trouxe também para sua turnê em São Paulo. Chamava-se "Bottom" e era um documentário até engraçado, pois ela entrevistava pessoas, apenas mostrando suas bundas, enquando andavam no mesmo lugar. As bundas se moviam e, em "off", ouvíamos suas opiniões sobre a vida. Era legal, pois algumas bundas combinavam muito com as opiniões emitidas. A bunda é também a cara do dono. Talvez seja até mais verdadeira, pois a cara dá para mudar, repuxar, maquiar, mas a bunda fica ali, denunciando tudo, se bem que hoje, com as plásticas, as bundas ficaram mais enganosas. Depois desse filminho simpático começou no teatro um ritual "hippie nipônico" que começou a me irritar. A Yoko subiu ao palco e com um autoritarismo "soft", convenceu a platéia se dar as mãos e a contemplar o "prana", a energia vital que "estava em tudo". Ela era pequenininha, mas visivelmente mandona. Sua mansidão humilde de japonesa, era visivelmente fabricada, ocultando uma grande ambiciosa. Era até bonitinha, de rosto e seios, (bundinha caída...) mas, tinha charme. De repente, lá estava eu de mãos dadas com um inglês desconhecido de um lado e uma senhora gorda de bata colorida do outro, me concentrando minha mente no "universo da Yoko".

O lado babaca dos anos 60 ali se manifestava: uma onipotência holística, mística, um amor geral proclamado a "tudo", o exercício de um poder que não existia. Tudo aquilo era uma bobagem, um evento irrisório, diante da maravilhosa força dos Beatles lá fora, estourando naquele álbum obra-prima, mudando o mundo real, dentro do mercado, dentro da vida concreta, longe das babaquices semi-religiosas que também rolavam na "swinging London". Foi aí que comecei a não gostar de Yoko. Ela não tinha feito nada contra mim, coitada, nem contra ninguem, ainda, mas, como se diz no Rio, gratuitamente, "eu não fui com os cornos dela..."

Aí, passou um tempo e um dia eu vejo que a Yoko Ono estava namorando o John Lennon. Tremi. Senti que mudava uma época. Foi o mesmo tremor, quando soube do "blow job" catastrofico da Monica Lewinski no Clinton, que mudou o Ocidente, o mesmo tremor, quando o Sharon botou o chapéu e invadiu a Esplanada das Mesquitas, a beira do acordo de paz, o mesmo que sinto agora vendo o Paquistão preparar o terrorismo nuclear com suas 30 mil madrassas e o Osama ali nas bocas. (Claro que a escala sísmica é variada, mas o tremor é o mesmo é a certeza do erro sendo cometido).

Nesses dourados anos do desbunde , conviviam lados construtivos e auto-destrutivos. Quando soube do namoro da japonesa filha de banqueiro e radical, eu senti que Yoko tinha entrado para acabar com os Beatles, que certamente ela considerava "caretas". Não por acaso, logo depois, o Lennon declarou que o "sonho tinha acabado", em pleno sucesso do grupo. Imaginem se Yoko teria peito de ir procurar os Rolling Stones com esse papo; o Keith Richards botava ela no olho da rua a pontapés. Mas os Beatles, mais romanticos, mais bobos, deixaram entrar em a vibora que os destruiria. Fálica, castradora.

Nesta época, a humanidade era dividida pelos jovens em: caretas e "muito loucos". Beatles e Rolling Stones. No entanto, ambos eram importantíssimos, pois furavam a parede boçal da cultura de massas, levando adiante uma arte superior.

Mas, na década de 70 (que já se prenunciava nesse ano), surgiu uma terceira força, árida, muda, dolorosa, uma melancólica e ácida recusa à vida criativa, uma fuga do mercado e da criação que chamaram de "conceitual". A arte conceitual era uma sopa-no-mel para oportunistas e gente sem talento. Para esses teóricos, um conceito, uma ideia (ou "a ideia do que eles achavam que seria uma ideia") podia substituir a obra. Tudo era banido: o sucesso, a vivencia estética, o prazer, o mercado, tudo era um dogmatismo simplista da revolução critica que Duchamp tinha feito em 1920. Yoko era um agente da máfia conceitual. Ai começou a corrosão dos Beatles. Em pouco tempo,o grupo estava esfacelado, com o Lennon perguntando como o Paul McCartney podia dormir de noite ("how can you sleep at night?"), como se o grande Paul fosse um alienado, um direitista.

Ai, vi aquela foto otima da Annie Leibowitz, onde o Lennon se agarra como um bezerro nu no corpo de Yoko. Claro que,mesmo dominado pela baixinha, o grande Lennon continuou fazendo coisas ótimas, desde "Imagine" até o "Double Fantasy", seu ultimo disco antes do assassinato.

Mas a revolução "yokoniana" em que consistiu? Que fez ela alem da dissolução dos Beatles? Que apresentou ela ao mundo, se tudo foi feito por ele? Yoko nunca fez nada de relevante, a não ser dominar a alma do cara. Ela inventou vagos eventos, como ficar na cama diante da imprensa, pálidas demonstrações de desgosto pelo mal-do-mundo ( ela declarou anteontem aqui que "as guerras são desnecessárias e poderiam ser resolvidas por advogados..."); pode? E o mais interessante no picareta conceitual como ela, é a ideia de que a própria falta de talento já é um talento, que a bobagem irrelevante já é uma talentosa denúncia da própria arte como coisa "menor".

O que teria havido se os Beatles tivessem existido juntos mais tempo? A esperança teria sido mais longa? O romantismo psicodelico teria derivado para a caretice dos "Saturday Night Fevers" com tanta facilidade nos anos 70?

Por isso, nunca gostei de Yoko. E, ontem, li no jornal uma frase otima de Daniela Thomas, depois da performance da viúva em SP: "Depois de ver tudo aquilo, entendi porque eu queria matar a Yoko na infância.."

Eu também.

If only Arnaldo had met Yoko in Rio and had succeeded in persuading her to accompany him to that derelict coach in his left-wing hideout.

Here is a reaction to Arnaldo's column, written by Sergio Leo, a journalist in Brasília (for link, click here):

O Jabor é um grande cara. Deve ter uns 1,90, pelo que me lembro de vê-lo passar pela redação da Globo em Brasília, sorridente, simpaticão. Não deveria me provocar aquela agonia que sinto quando ouço a deitação de regra que ele despeja na CBN, e me obriga, às primeiras palavras, trocar imediatamente de estação. Também não leio as colunas dele nO Globo, me fazem lebrar as aparições na tv, nos anos 90, em que ele repetia, como mantra: "o país precisa fazer as reformas, as reformas", e eu tinha a certeza de que nem ele nem os telespectadores faziam a mínima idéia de que diabo de reformas ele estaria falando.


O Jabor é um pouco como aquele cunhado bem-sucedido, que ninguém na família sabe por que chegou onde chegou, e que, às vezes, todos são obrigados a admitir que deu uma dentro. Mas, no fundo, prefeririam que tivesse faltado à festa, deixa a gente meio de ressaca. É um retrato bem executado da nossa alegre irresponsabilidade na mesa de bar, nossa arrogância etílica, com todas nossas soluções de todos problemas que os imbecis da humanidade não conseguem ver, ou entender.


Em resumo, o jabor é uma besta. E eu jamais teria coragem de dizer isso na frente dele, pelo tamanho, claro, e pela simpatia: o cara, pessoalmente tem um charme danado, parece até humilde. Grande cara, o Jabor. Se não começar a fazer discurso e bradar por reformas deve ser uma companhia divertida na noite em Ipanema.


Nem ia falar dele; quando não se têm o que falar de bem de uma pessoa, melhor calar a boca que arranjar de graça mais um inimigo na vida. Embora o Jabor sempre possa dizer, como Oscar Wilde (ou foi o Mark Twain, ou a Tônia Carrero, sei lá), que provavelmente me desprezaria, se tomasse conhecimento de minha existência. Esqueça o Jabor. O negócio é que ele dedicou uma coluna hoje à Yoko Ono, e eu já estava pensando em escrever sobre a japa, que entrevistei há algum tempo quando trouxeram uma big exposição dela aqui para Brasília.


(Bela exposição, aquela. Alguns trabalhos interativos, como aquele em que as pessoas podiam pregar cravos em uma imensa cruz de madeira, lances poéticos, omo as gaiolas de desejos, uma tradição japonesa, objetos instigantes, como a instalação toda em branco, de peças pela metade. Interesante o trabalho da velha senhora, que também foi uma graça na entrevista, naquele seu decadente jeito zen-manhattan).


Jabor, vestindo o fraque do marido lá da Marina Colassanti, (qual é mesmo o nome dele?), sobe em seu caixote de malandro descolado e intelectualizado para desancar a arte da Yoko Ono, que ele mostra não entender direito, porque, no fundo, sempre a viu pelos óculos do John Lennon, a pobre bruxa. Cita a Daniela Thomas, a mesma que montou uma exposição em que pôs todos os quadros deitados virados para o teto, num desrespeito total ao trabalho dos artistas*. "Agora entendo porque sempre quis matar a Yoko, desde criancinha", disse a Thomas, depois de ver a performance da anciã, numa boutade feliz. Jabor faz dele a piadinha dela. Pau na Yoko que ela merece.


Ele reclama da falta de relevância do trabalho da Yoko. Poderia falar o mesmo de boa parte da arte conceitual contemporânea, que não conhece. Qual a importância da Alison Knowles, que chamava as pessoas para fazer salada, e essa era sua performance; e, ainda por cima, nunca bebeu chope no Leblon? Se a Alison ao menos tivesse casado com o Paul McCartney... Jabor, provavelmente não tem idéia de quem foram os criadores do Fluxus, deve achar que Nam June Paik é o novo secretário-geral da ONU, e George Maciunas algum desconhecido poeta do Leste europeu. Não faltam críticos de arte no Brasil, mas, como no futebol, em que todo mundo pode dar seu pitaco, nessa entrou o Jabor. Grande cara. E já estou eu aqui falando dele. Quero falar é da Yoko.


Yoko, em São Paulo fez umas performances, constrangedoras como soem ser quase todas as performances contemporâneas (e quem já viu alguns dos vídeos da Marina Abramovic sabe bem do que estou falando). E, ao ler as críticas, fiquei com pena de não ter assistido. Bateria palmas.


Foram dezenas dessas celebridades com prazo de validade que povoam o noticiário: apresentadores de tv, atrizes e modelos, pseudo-intelectuais da indústria cultural, gostosas e testicocéfalos. Uns decididos a gostar do que quer que vissem, afinal era a Yoko Ono lá no palco. Outros, quem sabe, esperando uma epifania, um Cirque de Soleil da arte conceitual, em que a japa do Lennon, após uma profusão de efeitos cibernéticos alucinantes, faria piruetas calistênicas enquanto transmitiria a todos uma iluminadora visão lacaniana do profundo impasse civilizatório em que está atolado o século XXI.


Yoko Ono não fez nada disso. Falo do que não vi, mas imagino o desconforto com que teria visto. Ela atravessou engatinhando o palco, coberta não lembro com o quê, ensaiou uns passos de samba capenga, fez umas micagens. Nada, imagino, muito diferente do que fazia na swinging London dos anos 60, mas algo muito diferente, porém: não era mais a artista relativamente desconhecida que, com um grupo de malucos do Fluxus, investia contra a autoridade dos museus e academias.


Era a anti-musa, a celebridade, a Yoko Ono do edifício Dakota, que se enroscou no corpo magro do John Lennon e só por isso enchia aquela sala de espetáculo. Fez com que socialites microcerebradas saíssem da sala buscando justificativas para gostar do que viram, e os intelectuais deixassem a cena horrorizados com a falta de pudor artístico da japa, que, afinal, não fez por onde justificar o furor de midia em torno dela. Em meu confortável ofício de crítico do que não vi, posso atestar que ISSO é arte.


Grande Yoko. Pena que perdi o evento. Deviam dar a ela uma coluna no Globo.
* (Na verdade quem montou a tal exposição com os quadros no chão foi a Bia Lessa, olha o que o Jabor me faz escrever. Dá no mesmo, essas cenógrafas são muito parecidas).